Patologias

Maria Alice Fusco



Archives of Veterinary Science , v 11, n.3. p.56-59, 2007
Printed in Brazil ISSN 1517-784X

RESULTADOS DE TESTES DE CULTURA E ANTIBIOGRAMA EM SEIS CASOS DE ÚLCERA CORNEANA EM EQUINOS

FUSCO, M. A.1; VIEIRA, J. B.2; RAMOS, M. T.3; PIRES, N. R.4


1 Mestre em Clínica Médica e Cirurgia-UFRuralRJ; doutoranda em Cirurgia Geral-UFRJ

2 MV chefe Vetcorr JCB-RJ; mestranda em Clínica e Reprodução Animal - UFF

3 MV JCB-RJ

4 Professora da UCB





RESUMO – A ulceração corneana é uma desordem importante nos olhos eqüinos, podendo levar á cegueira se não tratada adequadamente. Este estudo retrospectivo tem por objetivo mostrar a importância do conhecimento da microbiota comensal de olhos eqüinos, para que, em caso de ulceração corneana, o tratamento seja empregado de forma rápida, enquanto aguardam-se resultados dos testes de cultura e antibiograma para possível ajuste na terapia. Palavras–chave: úlcera corneana; eqüinos; microbiota



Resultados de testes de cultura e antibiograma em seis casos de úlcera corneana em equinos




INTRODUÇÃO

Nos eqüinos, a ulceração corneana é muito comum pelo fato de apresentarem olhos proeminentes e uma grande superfície corneana, possibilitando a ocorrência de trauma ao epitélio corneano por materiais do solo e de plantas presentes no ambiente em que são mantidos (NASISSE e NELMS, 1992; ANDREW et al., 1998; BROOKS et al., 1998; HAMOR e WHELAN, 1999; BALL, 2000; MICHAU et al., 2003; BROOKS, 2005).

O defeito no epitélio corneano permite a aderência de bactérias e fungos residentes do olho normal, ou patogênicos (MATTHEWS, 1994; MOORE et al., 1995; HAMOR E WHELAN, 1999; ANDREW et al., 2003; BROOKS, 2005).

A conjuntiva, margem palpebral e sistema de drenagem nasolacrimal de olhos eqüinos saudáveis apresentam predominantemente bactérias aeróbias gram-positivas como Staphylococcus, Streptococcus, Corynebacterium, Bacillus e Streptomyces spp. (NASISSE e NELMS, 1 9 9 2 ; HAMOR e WHELAN, 1999; ANDREW et a l . , 2003; GEMENSKY-METZLER et a l . , 2005) .

As bac tér ias gram-negat i vas são bas tant e incomuns, mas já foram isoladas Neisseria, Moraxella, Enterobacter, Acinetobacter spp e Escherichia coli (NASISSE e NELMS, 1992; MOORE et al., 1995; ANDREW et al., 2003; GEMENSKY-METZLER et al., 2005).

Bactérias anaeróbias nunca foram isoladas (MULLER e WOUK, 2006).

Os isolados fúngicos variam com a local ização geográf ica e manej o do animal (NASISSE e NELMS, 1992; ANDREW et al., 1998; ANDREW et al., 2003), sendo os mais comumente isolados, Aspergillus, Penicillium, Alternaria, Cladosporium e Fusarium spp. (NASISSE e NELMS, 1992; HAMOR e WHELAN, 1999; ROSA et al., 2003; GEMENSKY-METZLER et al., 2005).

Na ulceração corneana, a microbiota pode tornar-se predominantemente gram-negativa (MOORE et al., 1995; MULLER e WOUK, 2006), sendo mais encontradas Pseudomonas aeruginosa, Escherichia coli, Acinetobacter, Enterobacter, Klebsiella e Proteus spp.

(NASISSE e NELMS, 1992; MULLER e WOUK, 2006). As bactérias grampositivas comumente responsáveis pela infecção corneana são Streptococcus e Staphylococcus spp. (NASISSE e NELMS, 1992; SAUER et al., 2003; MULLER e WOUK, 2006).

Apesar de serem comumente implicados na infecção da ulceração corneana, os fungos são os organismos menos observados (BROOKS et al., 1998), encontrandose entres estes o Aspergillus (NASISSE e NELMS, 1992).

A infecção corneana tanto por bactérias quanto por fungos pode acontecer (HAMOR e WHELAN, 1999), apesar de serem mutuamente inibitórios os produtos de metabolismo de bactérias e fungos (NASISSE e NELMS, 1992).

Quando o processo ulcerativo perdura por mais de 7-10 dias, ou quando a úlcera apresenta rápida progressão, devem-se realizar exames de citologia, cultura e antibiograma para estabelecimento da causa da infecção (bacteriana e/ou fúngica) e direcionamento do tratamento (NASISSE e NELMS, 1992; SAUER et al., 2003).

As amostras para realização de cultura devem ser obtidas antes do uso do corante de fluoresceína ou anestésico tópico, pois estes podem inibir o crescimento de microorganismos (HAMOR e WHELAN, 1999).

Amostras devem ser obtidas nas bordas da ulcera quando há suspeita de contaminação bacteriana, ou do centro da lesão, quando há suspeita de contaminação fúngica (HAMOR e WHELAN, 1999).

O raspado corneano para realização de citologia é realizado com o uso de anestésico tópico (BISTNER e RIIS, 1979). A ulceração corneana pode resultar em necrose progressiva, ulceração estromal profunda, fibrose estromal, ruptura do olho com formação de estafiloma, endoftalmite e phithsis bulbi acarretando a cegueira (MATTHEWS, 1994; MOORE et al., 1995).

Por isso há necessidade de tratamento agressivo imediato, logo após a obtenção das amostras, baseado nos resultados da citologia e no conhecimento dos organismos mais comumente isolados (HAMOR e WHELAN.

1999; MOORE et al., 1995), mesmo nos casos mais simples (HAMOR e WHELAN, 1999; MICHAU et al., 2003; BROOKS, 2005), enquanto aguardam-se os resultados dos exames de cultura e antibiograma.

Além disto, há necessidade do controle da inflamação intraocular secundária (por reflexo antidrômico) e das complicações subseqüentes a este evento fazendo-se uso de antiinflamatórios não-esteroidais por via sistêmica e/ou tópica e cicloplégico tópico (HAMOR e WHELAN, 1999).



MATERIAL E MÉTODOS

Durante o período compreendido entre fevereiro de 2000 e outubro de 2004, foram atendidos no Hospital Veterinário Octávio Dupont do Jockey Club Brasileiro-RJ, seis eqüinos PSI, (duas fêmeas e seis machos, idade média quatro anos) portadores de úlcera corneana sem evolução satisfatória mesmo após 20 dias de tratamento prévio com pomada oftálmica à base do antibiótico cloranfenicol e creme vaginal à base do antifúngico nistatina aplicado no fórnix conjuntival do olho portador da ceratite ulcerativa.

A conduta terapêutica então se voltou para a pesquisa laboratorial do agente infeccioso perpetuante da ulceração, uma vez que ao exame oftálmico foi descartada qualquer outra causa de injúria à córnea, como cílios ectópicos, corpos estranhos ou neoplasias de pálpebra. Realizou-se então coleta através de swab estéril de amostra da área corneana ulcerada para realização de cultura e antibiograma.



RESULTADOS

Em todos os casos (100%) houve crescimento de Staphylococcus aureus. Em dois casos (33,3%) houve crescimento concomitante de Pseudomonas spp.

O tratamento então foi baseado nos testes de sensibilidade ao antibiograma, sendo selecionados antibióticos tópicos oculares à base de eritromicina a 1% nos casos em que o Staphylococcus aureus foi isolado unicamente, e ciprofloxacina a 0.5% nos casos em que foram isolados Staphylococcus aureus e Pseudomonas spp.

Os colírios antibióticos foram formulados em farmácia de manipulação.

Os antibióticos eram aplicados a cada duas horas. Somado ao antibiótico, fez-se o uso do colírio de atropina a 1%, uma gota até alcance de midríase e uma gota por dia para manutenção.

Devido a dor associada à ceratite ulcerativa bem como a forte musculatura orbicular do eqüino, o tratamento tópico torna-se de difícil aplicação; portanto fez-se o uso do sistema de lavagem subpalpebral (HAMOR e WHELAN, 1999).

A melhora significativa do quadro ulcerativo após cinco dias de tratamento fez com que houvesse a manutenção da terapia antibiótica até remissão total da úlcera, observada através do resultado negativo do teste com fluoresceína.



DISCUSSÃO

A infecção da ulceração corneana por bactérias é bastante observada nos eqüinos (KELLER e HENDRIX, 2005).

O uso de forma profilática de antibióticos em ulceração corneana está relacionado à sua infecção (HAMOR e WHELAN, 1999; BALL, 2000).

Sabe-se que o uso crônico de antibióticos pode inibir o crescimento de bactérias comensais e alterar a flora conjuntival tornando-a essencialmente gram-negativa, gerando o crescimento exacerbado de um microorganismo oportunista e induzindo ao fenômeno de resistência antimicrobiana (NASISSE e NELMS, 1992; MATTHEWS, 1994; MOORE et al., 1995; HAMOR e WHELAN,1999).

Entretanto, a freqüência da bactéria gram-negativa Pseudomonas spp foi menor em relação à bactéria gram-positiva Staphylococcus aureus, contrariando as afirmações de que estes são os microorganismos mais comumente isolados de úlceras corneanas em eqüinos (NASISSE e NELMS, 1992; MOORE et al., 1995; MULLER e WOUK, 2006).

Após o conhecimento dos resultados dos testes de cultura e antibiograma, o quadro clínico apresentou melhora com a escolha do antibiótico mais apropriado para a infecção presente.

A úlcera deve ser avaliada diariamente para possíveis ajustes na terapia.

Tanto em úlceras bacterianas quanto fúngicas, a não progressão da úlcera é o primeiro sinal de melhora do quadro (NASISSE e NELMS, 1992).

A cultura fúngica não foi realizada, mas a melhora clínica com o tratamento antibacteriano nos leva a crer que a infecção corneal mista não ocorreu em nenhum animal deste estudo retrospectivo, talvez pelo uso prévio de antifúngico, ou então confirmando a ação inibitória de bactérias sobre o crescimento fúngico (NASISSE e NELMS, 1992).



CONCLUSÃO

Nos casos de úlcera corneana de rápida progressão, que não respondem ao tratamento à base de antibiótico de largo espectro, o conhecimento do microorganismo através da citologia e do isolamento do mesmo em cultura além da susceptibilidade do agente infeccioso através da realização do antibiograma se tornam particularmente importantes.

Nos animais deste estudo retrospectivo não foi realizada a citologia, mas após realização da revisão de literatura, os autores entenderam a importância deste exame para avaliação da presença de bactérias e/ou fungos.

Assim o profissional pode rapidamente decidir sobre a terapia a ser empregada imediatamente e de forma agressiva até a obtenção do resultado da cultura e do antibiograma. De posse destes resultados, o tratamento prévio pode ser mantido ou alterado, no intuito de recuperar a córnea e até mesmo o globo ocular, e a visão do animal.



REFERÊNCIAS

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ANDREW, S.E.; NGUYEN, A.; JONES, G.L.; BROOKS, D. E. Seasonal effects on the aerobic bacterial and fungal conjunctival flora of normal thoroughbred brood mares in Florida.

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BALL, M.A. Equine Fungal Keratitis. Compendium On Continuing Education for the Practicing Veterinarian, v.22, p.182-186, 2000. BISTNER, S.I.; RIIS, R.C. Clinical aspects of mycotic keratitis in the horse. Cornell Veterinarian, v.69, p.364-74, 1979.

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GEMENSKY-METZLER, A.J.; WILKIE, D.A.; KOWALSKI, J.J.; SCHMALL, L.M.; WILLIS, A.M.; YAMAGATA, M. Changes in bacterial and fungal ocular flora of clinically normal horses following experimental application of topical antimicrobial or antimicrobial-corticosteroid ophthalmic preparations. American Journal of Veterinary Research, v.66, p.800-11, 2005.

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NASISSE, M.P.; NELMS, S. Equine ulcerative keratitis. Veterinary Clinics of North America:Equine Practice, v.8, p.537-555, 1992.

ROSA, M.; CARDOZO, L. M.; PEREIRA, J.P.; BROOKS, D.E.; MARTINS, A.L.B.; FLORIDO, P.S.S.; STUSSI, J.S.P. Fungal flora of normal eyes of healthy horses from the state of Rio de Janeiro, Brazil. Veterinary Ophthalmology, v.6, p.51-55, 2003.

SAUER, P.; ANDREW, S.E.; LASSALINE, M.; GELATT, K.N.; DENIS, H. M. Changes in antibiotic resistance in equine bacterial ulcerative keratitis (1991-2000): 65 horses. Veterinary Ophthalmology, v.6, p.309-313, 2003.

Recebido para publicação: 07/03/2007
Aprovado: 25/11/2007



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