CATARATA EM CÃES E GATOS – INFORMACÕES AO CLÍNICO VETERINÁRIO
O Cristalino
O cristalino é uma lente intra-ocular, totalmente transparente, biconvexa e é responsável pela acomodação visual. Possui a capacidade de mudar de forma, sendo assim, possível o ajuste do foco para objetos situados em distâncias variáveis. Este processo de acomodação, exige que a lente e a cápsula sejam flexíveis, que as fibras zonulares estejam intactas e o músculo ciliar seja funcional (Peiffer Jr, 1998).
Esta importante estrutura ocular é macia, avascular, transparente e um tecido altamente estruturado que promove a refração dos raios luminosos que entram no olho para um ponto na retina (Gelatt, 2003b).
A transparência do Cristalino é mantida pela alta concentração de proteínas, altos níveis de anidrase carbônica e glutationa, ausência de vascularização e inervação e uma quantidade mínima de água.
Para manutenção e constante produção das células lenticulares ele necessita de oxigênio e metabólicos que vêm, na maior parte, do humor aquoso.
O Cristalino completamente desenvolvido se compõe da cápsula anterior e posterior, epitélio anterior, e células (fibras) alongadas. Está localizado entre a íris e o humor vítreo e suspenso pelas fibras zonulares que unem a lente ao corpo ciliar (Peiffer Jr, 1998).
No cão o cristalino tem 10,5 mm de diâmetro e 7,5mm de comprimento axial (MARTIN, 2005)
A Catarata
Catarata é o termo que designa opacidade no cristalino.
O desenvolvimento das cataratas ocorre pôr diversas etiologias, mas quaisquer que sejam as causas temos sempre envolvimento de alterações bioquímicas complexas relacionadas com a coagulação de proteínas (Albuminóides e Cristalinas) e retenção de água.
Os Sinais Clínicos
Com o início da opacificação do cristalino e desenvolvimento da catarata, o animal apresenta déficit visual. Este déficit poderá ou não ser percebido pelo proprietário, dependendo de sua perspicácia, nível de atividade do cão e acuidade dos seus outros sentidos como audição e olfato, que começam a ter papel compensatório.
Alterações clínicas, que estejam associadas com diminuição da visão, em geral, despertam a atenção do dono quando a opacificação está 40 ou 50% completa. Segundo relato de proprietários, o déficit visual seria mais intenso durante o dia, talvez por, com a presença de luz, haja diminuição do diâmetro pupilar, restando assim, menos áreas transparentes na lente.
Diante do déficit visual, o animal apresenta-se relutante em correr e até mesmo passear. Bater a cabeça, esbarrar em móveis, são outros eventos comuns nos relatos de proprietários. Obstáculos como escadas, são evitados. Muitas vezes o animal posiciona-se deitado, voltado para uma parede mostrando toda sua insuficiência visual. O convívio com a família fica bastante alterado, o que causa desconforto e frustração em muitos proprietários
A Classificação da Catarata
A classificação da Catarata pode ser quanto a idade em que ocorre, sua localização na lente, quanto ao nível de opacificação da lente, e quanto a sua etiologia.
Quanto a idade em que as cataratas ocorrem podemos ter:
- Congênita ou Hereditária: Até 2 anos de idade no cão. A congênita pode ser deflagrada pelo estado materno ( infecção , toxemia , etc...).
- Cataratas Juvenis: De 2 anos até 5 ou 6 anos. Podem ter origem hereditária, diabetogênica, traumática , etc...).
- Cataratas Senis: De 6 anos em diante(no cão)
Quanto sua localização na lente, a Catarata pode ser classificada como capsular, subcapsular, cortical ou nuclear. Pode ainda ser descrita como axial ou equatorial, e anterior ou posterior (Peiffer Jr, 1998).
Quanto ao nível de opacificação da lente, com base em exames e achados clínicos, as cataratas podem ser classificadas em:
• Incipiente: A opacificação focal da lente ou de sua cápsula com visão inalterada (Slatter, 2005b); o fundo de olho é imediatamente observado com oftalmoscópio (Peiffer Jr, 1998).
• Imatura: A opacidade é mais marcada, mas ainda incompleta e o fundo pode estar, em parte, obscuro oftalmoscopicamente, com o reflexo tapetal ainda visível (Slatter, 2005b). O animal pode experimentar algum comprometimento visual (Peiffer Jr, 1998).
• Matura: A lente está opaca por completo e o fundo não pode ser observado oftalmoscopicamente (Slatter, 2005b). A função visual fica significativamente comprometida.
• Hipermatura: Algumas lentes começam a liquefazer em razão da proteólise e, ocasionalmente, alguma visão pode ser recuperada. Em cães, o córtex liquefeito extravasa, causando uveíte e participando na característica aparência enrugada da cápsula. Com a redução do volume da lente, a câmara anterior se torna mais profunda. A íris pode adquirir aparência mais escura devido à uveíte. A combinação de uma íris escura, injeção ciliar, câmara anterior com profundidade aumentada e enrugamento capsular são maus indicadores prognósticos para a visão (Slatter, 2005).
A catarata pode ocorrer por diversos motivos. Em sua maioria, as cataratas em cães são hereditárias. Em gatos ocorre com menor freqüência, e quando são detectadas, provavelmente são secundárias (Peiffer Jr, 1998). Citamos a classificação da Catarata conforme s principais etiologias que ocorrem na clínica:
• Catarata Hereditária: Acomete cães, em sua maioria de raça pura, de idade jovem à meia idade. Algumas raças parecem apresentar predisposição como:
Afghan Hound, Beagle, Cocker Spaniel, Golden Retriever, Husky Siberiano, Labrador Retriever, Old English Sheepdog, Pastor Alemão, Pointer, Poodle Toy e Miniatura, Schnauzer Miniatura, Setter Irlandês, West Highland White Terrier.
• Catarata Medicamentosa ou Tóxica: Algumas drogas podem induzir catarata no cão como antiinflamatórios e glicocorticóides.
• Catarata por Hipocalcemia: Opacidades puntiformes, multifocais, bilaterais e simétricas
• Catarata traumática: Contusões moderadas da lente podem causar sua compressão, causando danos ao epitélio da lente resultando no aparecimento de catarata.
• Catarata Senil ou relacionada com a idade :Vista, comumente em cães idosos, pois seu aparecimento ocorre em animais idosos sem nenhuma outra causa antecedente. Possuem progressão frequentemente lenta, causa desconhecida e leva-se muitos anos para se verificar ausência total de visão no animal.
• Catarata Diabetogênica: Glicose é a fonte principal de energia, e metabolismo anormal deste açúcar, como a hiperglicemia crônica, pode resultar na opacificação da lente, como ocorre nos casos de catarata diabética (Peiffer Jr, 1998).
Diabetes Mellitus é comumente associada à formação de catarata bilateral, simétrica e de desenvolvimento rápido no cão, devido à alteração no metabolismo da glicose, principal fonte de energia da lente. O prognóstico da cirurgia é muito bom e em geral, os dois olhos são submetidos ao procedimento cirúrgico.
O Diagnóstico
O diagnóstico da Catarata é feito através de equipamento específico chamado de Lâmpada de Fenda. Este aparelho, que contem luz brilhante e branca, é refinado e indispensável na rotina do serviço especializado. A lente densa, acometida por catarata, impede que a luz em fenda a transpasse, impedindo visualização do fundo de olho e suas estruturas mais profundas.
O diagnóstico diferencial também é conseguido através da Lâmpada de Fenda e inclui alterações bioquímicas das proteínas e a compactação na porção central da lente devido à constante produção de fibras, o que leva a um aumento na reflexão de luz - a Esclerose Lenticular. Este é um processo natural, compatível com cães de idade mais avançada e que, geralmente, apresenta-se a partir dos sete anos, sem resultar em perda da visão. Este processo natural muitas vezes é confundido com catarata.
O Tratamento
As cataratas são afecções cirúrgicas, não havendo medicação tópica, sistêmica ou intra-ocular confiável que impeça a progressão ou induza à reabsorção das opacidades do cristalino (Peiffer Jr, 1998).
Alguns protocolos medicamentosos foram realizados, utilizando-se terapias tópicas ou sistêmicas com selênio, vitamina E, superóxido dismutase, carnosina e citrato de zinco sem que fosse provada nenhuma eficácia.
No Brasil, instaurou-se a utilização de uma gama variada de drogas: Bendalina, Clavirsol, Cinerária Marítima, etc, desprovidos todos de ação terapêutica razoável.
O tratamento mais adequado para a Catarata é a remoção cirúrgica total do cristalino pela técnica de facoemulsificação (ADKINS; HENDRIX, 2005). Quando esta técnica não pode ser utilizada, devido ao estado de maturidade da catarata, o animal deve ser submetido à facectomia indicada ao seu caso.
Nem toda catarata é operável. A Avaliação Oftalmológica, com equipamentos específicos é imprescindível para indicação cirúrgica ou não.
Caso não seja um quadro operável, o paciente não pode ser abandonado. O animal deve ter sua catarata acompanhada por oftalmologista para que se monitore quadros de glaucoma, luxações da lente e uveítes.
Toda catarata deve ser avaliada e acompanhada. Atualmente, pouquíssimos são os proprietários que não buscam a cura pela cirurgia, mas se isso ocorrer, mesmo assim, o animal deve ser monitorado com avaliações periódicas.
A Catarata é uma condição intra-ocular que, quando mal conduzida, pode acarretar, além da cegueira, Uveíte fotogênica resultando em um Glaucoma (que em geral não possui bom prognóstico), quadros de subluxacão e luxação da lente ( que podem ser extremamente dolorosos ao animal e necessitam de cirurgia de emergência , já não com o objetivo de recobramento de visão, mas para resolução do quadro de dor).
Complicações de uma Catarata não acompanhada
Algumas complicações adicionais podem ocorrer.
Com a progressão da catarata, haverá perda de proteínas da lente podendo causar um quadro de Uveíte lente-induzida, que requer tratamento medicamentoso por causar dor e grande incomodo ao animal. A Pressão Intra-Ocular, observada à tonometria apresenta-se, em geral, muito baixa devido à inflamação da úvea. Descolamento de retina e degeneração vítrea também podem ocorrer. Luxação e Subluxação de lente também são relatadas podendo inclusive, trazer outras sérias complicações secundárias. O aparecimento de glaucoma não é incomum e seu tratamento é crônico e bastante oneroso.
Lembramos que a Catarata é um mal intra-ocular e que, ela fica no olho do animal causando danos que muitas vezes, inviabilizam a realização da cirurgia e o recobramento da visão .
Ao perceber os primeiros sinais, procure seu Clínico Veterinário. Ele o encaminhará ao serviço especializado com equipamento específico para este tipo de diagnóstico.
A simples visualização de olho opaco, de imagem esverdeada, azul ou cinza no olho, ou presença de cegueira não é diagnóstico de Catarata. Todo serviço especializado oferece equipamento especifico para este diagnóstico, a Lâmpada de Fenda.
Toda catarata, já estando o animal cego ou não, deve ser acompanhada, e o olho medicado para evitar complicações que comprometam a qualidade de vida do animal e futuro sofrimento.
Toda Catarata é operável ???
Nem toda catarata é operável.
Cada caso é um caso e há muitos fatores a serem considerados. A condição do olho e seu nível de comprometimento, a presença de Uveíte Fotogênica, a PIO, a presença de APR (Atrofia Progressiva de Retina, uma degeneração neurológica das células retinianas que instala-se concomitantemente à Catarata e que tem caráter irreversível ) , a condição clínica geral do cão, se o paciente possui um temperamento cooperativo, sendo um cão tratável, se estamos diante de um proprietário responsável, que realizará um pós – operatório comprometido , estando presente aos retornos, utilizando a medicação com prescrita, etc.
Como o Clínico deve proceder ao receber um paciente com Catarata?
O proprietário deve receber explicações iniciais (o que é a Catarata, a forma de diagnóstico, o que ela acarreta à visão do animal, suas complicações e tratamento cirúrgico) e o paciente encaminhado a um serviço especializado onde ele será submetido a exames oftalmológicos que trarão mais informações sobre a sua Catarata, as condições do olho e a melhor forma de conduzir o seu caso. Idade , sexo e raça não são impeditivos à realização da cirurgia.
A caminho da Cirurgia
O primeiro passo até a cirurgia é a avaliação oftalmológica.
O paciente será submetido a uma bateria de exames, todos inclusos na nossa consulta clínica, que poderão dizer se, clinicamente, trata-se de um caso cirúrgico ou não. Muitas vezes, a catarata instala-se no olho e passa a causar danos como inflamação intra-ocular severa, PIO extremamente baixas, enrugamento da cápsula anterior, pigmentação da Iris se Atrofia Progressiva de Retina por liberação de proteínas tóxicas e todos estes aspectos devem ser monitorados e controlados.
Em quadros onde já há comprometimento de outras importantes estruturas oculares, acredita-se que o animal não irá se beneficiar com a cirurgia.
A Eletrorretinografia
O paciente, ao ser examinado na consulta oftalmológica e tendo um laudo clínico constatando que sofre de catarata operável e que, o olho acometido está em boas condições , será encaminhado à Eletrorretinografia.
Como a opacidade impede a visualização da parte posterior do olho, este exame torna-se uma ferramenta importante mesmo que realizemos uma Ultrassonografia oftálmica.
Pela Eletrorretinografia podemos aferir o potencial elétrico da retina de um olho com catarata, e atestar integridade retiniana ou não. Nos EUA, nenhum animal é operado para extração de catarata sem que antes tenha realizado uma Eletrorretinografia.
Diante de uma retina com potencial elétrico muito baixo, acreditamos que o animal não se beneficiará da cirurgia e contra-indicamos este procedimento.
(Leia mais sobre a Eletrorretinografia no link explicativo deste importante exame.)
As Técnicas Cirúrgicas
Dependendo da condição da Catarata, escolhemos a técnica cirúrgica mais adequada a cada caso.
O método mais moderno é a Técnica por Facoemulsificacão, a qual fomos pioneiros no estado do Ceará. Disponibilizamos em nosso serviço, um aparelho capaz de realizar intervenções intra- oculares de alto refinamento, e com pouca agressão ao olho, o Facoemulsificador.
Através uma incisão de 3mm , a caneta do aparelho é introduzida no ambiente intra ocular e , a grosso modo, a catarata é fragmentada e aspirada. A incisão é suturada com cola biológica e o procedimento não dura mais que 1 hora.
Outra técnica é utilizada para cataratas hipermaturas, onde é feita uma incisão maior, o cristalino é retirado em peca inteira, e o animal recebe cerca de 8 a 10 pontos na córnea. Apesar de ser mais invasiva que a outra técnica, não compromete o sucesso da cirurgia.
O êxito cirúrgico esta mais relacionado à indicação da técnica correta a cada caso do que a própria técnica utilizada.
O Pré- operatório
A Cirurgia da Catarata pressupõe anestesia. O procedimento de anestesia é seguro e sempre nos cercamos dos melhores profissionais e equipamentos. A anestesia que utilizamos é a inalatória . O animal fica com parâmetros como respiração, oximetria, pulsação, batimentos cardíacos e pressão arterial todos monitorados. O Médico Veterinário Anestesista acompanha o paciente durante todo o procedimento. Os riscos nunca deixarão de existir e estão presentes em qualquer procedimento, por menor que seja ele.
Podemos, sim, minimizá-los. Assim, solicitamos, antes do procedimento, uma avaliação cardíaca com profissional especializado e um hemograma. Os exames são avaliados pelo clínico do animal, nosso parceiro, que o liberará para a cirurgia.
O Pós- Operatório
O animal irá para casa horas após a cirurgia, quando já estiver alerta, pois o procedimento requer anestesia mas, não necessita de internação.
Optamos, após vermos a evolução de vários casos, não internar animais após procedimentos cirúrgicos oftálmicos. O proprietário é orientado a fazer as medicações tópicas e orais e o animal vai para sua casa, seu ambiente, suas coisas, o carinho e os mimos da sua família. Este, com certeza, é o melhor lugar para sua recuperação.
São feitos colírios, na maioria das vezes, 2 apenas, várias vezes ao dia e medicação oral. O uso do colar elizabetano é imprescindível e imperativo. O animal volta ao consultório para revisão em 24 e 48 horas. Após isso, os retornos são marcados conforme seja necessário.
Quando indicamos a cirurgia, avaliamos também o proprietário, pois ele é nosso parceiro nesta empreitada. Precisamos de um proprietário responsável e comprometido, disposto a realizar toda medicação prescrita, seguir a orientações dadas e disposto a estar presente a todas as revisões.
Espera-se, com o sucesso da cirurgia, que o animal reestabeleça suas atividades normais, fique mais ativo e disposto, e que volte a ser um membro ativo da família participando normalmente da sua vida social, feliz e integrado.
Procure o Médico Veterinário de sua confiança ao perceber qualquer alteração.
Dra. Mirza Melo – Oftalmologia Veterinária
CRMV - 2197 /CE
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
SLATTER, D. Lente. In: ______.
Fundamentos de Oftalmologia Veterinária. 3ª edição. São Paulo: Roca, 2005.
COULTER, D.B.; SCHMIDT, G.M. Sentidos especiais I: Visão. In: SWENSON, M.J.; REECE, W.O. Dukes:
Fisiologia dos animais domésticos. 11ª edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1996.
ANDRADE, A.L. Semiologia do sistema visual dos animais domésticos. In: FEITOSA, F.L.F.
Semiologia Veterinária: A arte do diagnóstico. 1ª edição. São Paulo: Roca, 2004.
BARNETT, K.C. e CRISPIN, S.M. Fundus. In: BARNETT, K.C. e CRISPIN, S.M. Feline
OphthalmologyAn Atlas and Text. 1. ed. London: W. B. Saunders Company Ltd., 1998, p. 146-168.
KOMÁROMY, A. M.; ANDREW, S. E.; DENIS, H. M.; BROOKS, D. E.; GELATT, K. N. H
American Collage of Veterinary Ophthalmologists, v. 7, n. 1, p. 3-9, 2004.
MARTIN, C.L., STILES, J.
Manifestações Oculares de Doenças Sistêmicas. In: GELATT, K.N. Manual de Oftalmologia Veterinária. 1.ed. São Paulo: Manole, 2003, p. 459-507.
TURNER, S.M.
Oftalmología de pequeños animales. 1ª Edição. Editora Elsevier Saunders. Barcelona, Espanha. Cap. 37, p.37-42, 2009.
SANDMEYER, L.S. et al.
Diagnostic Ophthalmology. Can.Vet.J., v.48, 2007.